8° capítulo A Hipocrisia Reinante


Dom Diogo Luís de Oliveira, Conde de Miranda, foi o introdutor da Fruta do Conde no Brasil, era o Governador-geral do Estado do Brasil, e fazia um bom governo desde 28 de dezembro de 1626, em seu Palácio construído por Tomé de Souza de “taipa de pilão” com pouquíssimas melhorias, então sede da Administração Portuguesa no Brasil, hoje Palácio Rio Branco, que abriga a Fundação Pedro Calmon, a Fundação Cultural do Estado da Bahia e o "Memorial dos Governadores". 
“A taipa é uma técnica construtiva de arquitetura vernacular à base de argila (barro) e cascalho, usada para erguer paredes. É principalmente usada para formar as paredes externas e as internas, estruturais, sobrecarregadas com pavimento superior ou com madeiramento do telhado”.
E assim era a Casa do Governador do Império Colonial Luso-espanhol.
Entraram na cidade pela freguesia de Santo Antônio Além do Carmo.
Perguntaram onde havia uma boa hospedaria, com estabulo, mas próximo possível do Palácio do Governador-geral.
Chegaram entraram, lavaram-se, comeram, e saíram para comprar boas roupas usadas com Isaac Bar David, um cristão novo que agora era chamado de Afonso Fonseca, amigo do hospedeiro, pois não as tinham dignas de irem a presença de Dom Diogo Luís de Oliveira, nem tão pouco de se apresentarem na sede do Bispado.
No dia seguinte todos enfatiotados saíram para ver as autoridades da terra.
Manuel, com Mateus e Lucas, foram para o Palácio do Governo.
Marcos e João, com as bolsas cheias de ouro, para a Casa do Bispo, tendo como finalidade ver se a Santa Madre Igreja tinha ambições sobre a Sesmaria de Dom Gonçalo de Melo.
Na entrada do Palácio foram recebidos por um Capitão da Guarda do Governador que por três moedas de prata os introduziu na presença de Dom Diogo.
E aí começou mais uma patifaria.
Dom Diego sentado estava e sentado ficou.
Respondeu com certa má vontade o cumprimento dos três recém-chegados.
Ao seu lado estava o secretario, Oscar Carrera, um basco com cara de fuinha, um nariz de águia cuja ponta quase entrava na boca, com o rosto cheio de marcas e espinha, com um furúnculo na testa, todo vestido de preto, com um sorriso falso e dentes estragados, o que fazia com que ele tivesse um hálito fedorento como carniça de porco.
Sorrindo qual Mefistófeles, Carrera perguntou o que eles queriam.
“Viemos a amando do senhor Cristóvão e do senhor Jose de Lamas de Orelhão”, falou rapidamente Lucas, o que até espantou a Manuel.  
Dom Diogo Luís de Oliveira, Conde de Miranda, pulou da cadeira onde estava sentado.
“ Como disseram? ”
“Viemos a mando do senhor Cristóvão e do senhor Jose de Lamas de Orelhão”, falou agora Manuel.
“ Saia já, señor Carrera, sai já”, falou um aflito Governador-geral.
Assim que o Mefistófeles do País Basco fechou a porta, Dom Diogo se acercou deles.
“ No que posso ajuda-los? ”
Manuel tinha perguntado ao hospedeiro soteropolitano de nome Hermógenes Oliveira, que era cristão-novo, mas cristão novo disfarçado para ninguém saber, quanto valiam as mulas e a hospedagem de um dia como aquela oferecida pelo senhor José.
Hermógenes, espertalhão como só ele, deu um preço depreciado, pois acreditava que o moço queria vender a animália.
Manuel falou com Mateus, que parecia ser o mais competente com os assuntos de dinheiro, e este mandou que colocasse mais um bom tanto de dinheiro sobre o que Hermógenes havia falado.
Juntos fizeram uma bolsa de moedas de ouro para entregar ao Governador-geral conforme promessa ao senhor José.
“Primero queremos entregar essa bolsa de ouro a Vossa Excelência para a construção da nova Sé de Salvador, conforme promessa feita ao senhor Jose de Lamas de Orelhão e em nome do senhor Cristóvão”, falou Mateus.     
Dom Diogo Luís de Oliveira, Conde de Miranda, emudeceu comovido.
‘Segundo queremos comprar a Sesmaria abandonada que foi de Dom Gonçalo de Melo”, falou Manuel Leite do Couto de Cucujães.
“Sesmaria abandonada que foi de Dom Gonçalo de Melo. Essa terra eu desconheço”.
“ Infelizmente, Vossas Mercês terão que tratar com meu secretario señor Carrera. Que não é nada de tratado fácil”.
“ Mais, antes quero que provem uma deliciosa fruta que eu trouxe para ser introduzida nas terras do Brasil”.
 Tocou uma sineta, e apareceu um pajem de origem africana trazendo numa bandeja de prata diversas frutas de aspecto estranhos”.
“ O povo está chamado de Fruta do Conde por minha causa, mas provem porque é uma delícia”.
Provaram, gostaram, e um alegre fidalgo português, chamou o detestável secretário.  
Foram para uma outra sala e começaram a tratar do assunto.
Oscar Carrera, o fuinha, solicitou a outro fuinha a documentação das sesmarias.
Leu os livros de assentamento e imediatamente colocou empecilho na venda.
Pratico, Mateus foi objetivo:
“ Quanto o señor quer em ouro para liberar a venda a Dom Manuel Leite de Cucujães? ”
Manuel se assustou com a nobreza recém adquirida, mas não falou nada.
“Bem. Não é assim. Tem a Santa Madre Igreja. Tem os interesses de El-Rey, que devo defender. Vosmecê entende, pois não? ”
“No me vengas con esas cuestiones. Te conozco de Guipúzcoa, sé de su robo en la casa del conde de Eibar. Usted acusa al hijo de su casera que se suicidó. Digamos que la cantidad que desea en oro, o voy a decirle a su histora al Gobernador General ahora”, falou um Mateus sério.
O fuinha quase teve um ataque de coração.
Levou as mãos ao peito.
“No, no. por el amor de Dios. Por todos los santos. Yo hago lo que quieres”.
“Hombre! ¿Cuánto oro para darnos la posesión de la tierra?”
“No quiero. No quiero. No hay necesidad”.
“Sí, hay una necesidad. No queremos deberle nada a usted. Ningún favor. Ahora acaba de decir la cantidad de oro”.
O fuinha falou uma quantia em ouro que se fosse para outras pessoas seria dez vezes mais.
Mateus ordenou que ele mandasse trazer os papeis imediatamente, e imediatamente a Sesmaria de Dom Gonçalo de Melo passou para o nome de Manuel Leite de Cucujães, e ninguém podia dizer que era nome falso, pois no Brasil daquela época os reinóis adotavam os nomes de suas vilas natais.
Um pálido Oscar Carrera os levou de volta para sala do Governador-geral que ficou muito feliz que o negócio tinha sido rapidamente concluído, o rapidamente foi destacado por sua Excelência.
Um recibo com a quantia paga por Manuel Leite de Cucujães foi assinado por Dom Diogo Luís de Oliveira, Conde de Miranda, como Governador-geral, pelo Tesoureiro- Geral e pelo Provedor-mor do Governo do Estado do Brasil.
Num canto, o fuinha suava como nunca suara em sua vida.
Despedidas festivas, lembranças ao senhor Jose, e lá foram os três encontrar os outros dois que tinham ido a Casa do Bispo.
Manuel não se conteve e perguntou a Mateus sobre o diálogo.
“Eu conheci aquele aldrabão quanto fui ao País Basco com meu outro senhor, sabia de seus crimes, por isso, falei mais ou menos assim, como ele, também, respondeu quase dessa maneira:
“ Não me venha com esses assuntos. Conheço você desde Guipúzcoa, sei bem de seu roubo na casa do Conde de Éibar. Você afirmou que foi o filho de uma serva do Conde, que você abusava sexualmente, e o moço se suicidou, mas sabemos que o ladrão é você. Diga quanto quer em ouro, ou eu conto sua história para o Governador-geral agora mesmo”
"Não, não. Pelo amor de deus. Por todos os Santos. Eu faço o que você quiser”. "Homem! Quanto ouro para dar a posse da terra? "
"Eu não quero. Eu não. Não há necessidade ".
"Sim, existe uma necessidade. Nós não queremos te dever nada. Nenhum favor. Agora é só dizer a quantidade de ouro ".
“ Puxa ainda bem que vosmicê está aqui. Eu não saberia como tratar com ele”.
“ Mais foi uma grande patifaria ele receber o ouro”, falou doutoralmente Lucas.
Enquanto eles estavam no Palácio do Governo, João e Marcos estavam diante do prelado responsável pela Igreja em São Salvador da Bahia. 
A Casa do Bispo era uma das melhores residências da cidade.
Havia uma guarda sempre de prontidão a porta e em torno dela.
João se dirigiu a um dos guardas e pediu para falar com o Irmão Eustáquio.
Alguns minutos depois apareceu o guarda com o Irmão, que ou vê-los abriu um sorriso de orelha a orelha.
Abraços foram dados e amenidades trocadas
“Qual assunto tão importante trás os Irmãos a essas paragens tão longe de Lisboa? ”
“ Queremos falar com Monsenhor Dom Martim de Sousa”.
Diante da seriedade de Marcos, o Irmão Eustáquio falou:
“ Me acompanhem ”.
Dom Martim de Sousa estava na varanda que tinha uma vista espetacular, pois dava para o Mar, com um camisolão de dormir, sentado numa espreguiçadeira, tendo duas escravinhas fazendo massagens em seus pés.
Ao lado uma mesa com frutas, suco de caju, e outras iguarias.
Era um homenzarrão, bonito em seus quarenta anos, que calado já espalhava o charme que ensandeceu muitas donzelas e muitas senhoras casadas em Lisboa.
Era o terceiro filho de uma nobre família que descendia por linha bastarda de Afonso III, o Bolonhês, quinto Rei de Portugal.
Parente de Martim Afonso de Sousa que foi 1º. Donatário da Capitania de São Vicente e Governador da Índia.
Seu irmão mais velho era Fidalgo do Conselho do Rei Felipe IV&III, Rey de España, Portugal, etc, com direito a honras de Marquês.
O outro era Camarero mayor del Rey, Comendador da Ordem de Cristo, Cavaleiro da Ordem de Avis, Caballero de la Orden de Santiago.
Sua irmã era Dama de la Reina Doña Isabel de Borbón.
Mais, ele teve que seguir a carreira eclesiástica para qual não tinha a menor vocação.
Seu irmão do Conselho do Rei consegui a sinecura em Salvador onde ele se encontrava agora lépido, fagueiro e pimpão.
“Monsenhor. Esses senhores querem falar de um assunto da maior importância”.
“ De que se trata”.
“ Trata-se da sesmaria abandonada de Dom Gonçalo de Melo. ”
“ O que tem? Eu nunca ouvi falar de tal sesmaria”.
“ Foi dada por Dom Duarte da Costa ao filho de sua irmã, Dom Gonçalo de Melo”.
“ Sim. E daí? ”
“ Daí que nós queremos saber se a Santa Madre Igreja tem algum interesse nessas terras”.
“ Se a Santa Madre Igreja, como dizem os senhores, tem eu não sei, mas eu tenho”.
“ Não tem não”.
“ Como? ”
“ O senhor não tem não e nunca vai ter”.
“ Como? ”
“ Muito bem”, falou João.
“ Sabemos da existência da judia Sara em Amsterdã. Sabemos da existência de seus três filhos com ela, nascido quando o senhor já tinha tomado as Ordens. Sabemos que ela abandonou Portugal quando o senhor veio para o Brasil. Sabemos que ela está sofrendo privações porque o senhor não lhe envia recursos”.
“Mais o Tribunal da Santa Inquisição em Lisboa não sabe”, concluiu serio Marcos.
Parecia que a espreguiçadeira onde estava sentado Monsenhor Dom Martim de Sousa tinha uma mola, pois ele pulou de um salto.
“ Sabemos que nem seus irmãos que servem ao Rei de Espanha podem fazer algo pelo senhor caso o Tribunal da Santa Inquisição em Lisboa tome conhecimento desses fatos”.
“Pelo amor de Deus, o que querem? ”
“ Queremos que o senhor nunca tome conhecimento da antiga sesmaria de Dom Gonçalo de Melo que passará a ser propriedade de Manuel Leite de Cucujães. ”
“ Faremos uma doação em seu nome a judia Sara e a seus filhos de uma soma razoável para eles se manterem pelo resto da vida, que será depositada e aplicada na Banca dos Aboab da Fonseca na cidade de Amsterdã. Basta assinar esse documento onde está escrito que nem o senhor, bem como a Santa Madre Igreja, não tem interesse naquelas terras”.
“ Mais, mais, aqui está falando da doação, e....”
“ É isso ou nada”.
“ Então, é isso”.
“ Irmão Eustáquio a pena, a pena”.
Um escravo trouxe o tinteiro e a pena.
Monsenhor Dom Martim de Sousa com uma braçada jogou tudo que estava em cima da mesa ao seu lado no chão, e rapidamente assinou o documento.
Os dois se curvaram em saudação e saíram da varanda na companhia de Irmão Eustáquio.
Dom Martim ficou lá com cara de bobo.
“ Bela lição, Irmãos. ”
“ Essa até que não foi difícil. Há outras piores, muito piores, pois existem criaturas que fazem patifarias piores do que essa de Monsenhor, o Irmão nem imagina ”, falou João sorrindo.
“ Mais, uma coisa para terminarmos. Queremos proteção total a Manuel Leite”. “O Irmão entendeu?” enfatizou João.
“ Sim, entendi. Podem confiar em mim”.
Vênias feitas, João e Marcos partiram ao encontro de Manuel, Mateus e Lucas.
Encontraram-se na Hospedaria.
João e Marcos entregaram a Manuel o documento onde estava escrito que a Santa Madre Igreja não tinha interesse nas terras, o que era um alivio para o novo proprietário, já que as disputas com a Igreja eram terríveis e ele sempre saia vencedora.
Contudo, não comentaram como foi o tom da “visita” a Monsenhor Dom Martim de Sousa, pois era um segredo de Estado e o Clero.
Mateus comentou o encontro com Oscar Carrera, o fuinha, e foi uma risada geral.
Todos dormiram satisfeitos e no dia seguinte iniciaram a viagem de volta para as Terras de Manuel Leite de Cucujães.

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